quarta-feira, julho 20, 2005

"A música é um luxo" por Jorge Baldaia em Divergências

Nos últimos anos muito se falou da descida da percentagem de IVA taxada aos produtos musicais, em particular os discos. O objectivo era encara-los como um produto cultural à semelhança dos livros e, consequentemente, descer a taxa de IVA dos 19% para os 5%, valor praticado nas obras literárias. Invocava-se exemplos de outros mercados e da boa vontade da ministra da cultura espanhola. A certa altura o próprio ministro da cultura português, o então Pedro Roseta, manifestou-se defensor desta ideia, atitude que viria a ser seguida por alguns personagens políticos durante a campanha para as últimas eleições legislativas. Havia uma réstia de esperança. Porém, nunca acreditei que se viesse a concretizar. Primeiro porque a decisão de baixar o IVA nos discos não depende única e exclusivamente de nós. Tem que haver um consenso ao nível dos parceiros da União Europeia. Segundo porque o exemplo espanhol, apesar de ser sempre mencionado, nunca mais passa de uma vontade. Terceiro porque não acredito nos políticos portugueses. Agora, para meu espanto, nunca pensei que ainda fossem aumentar mais a taxa de IVA. São apenas dois por cento poderão achar alguns, mas num negócio é muito e os efeitos vão-se fazer sentir no imediato. A verdade é que, hoje em dia, ser músico ou melómano é um luxo que começa a ficar ao alcance de muito poucos.
Se já a música portuguesa vende pouco, em particular os novos talentos, menos venderá. Isto significa que vão, inevitavelmente, diminuir as edições. Seguir-se-ão os problemas financeiros para todos os intervenientes da indústria discográfica, começando no músico, passando pelos estúdios, editoras e distribuidoras e acabando nas lojas. O resultado final reflectir-se-á num aumento do desemprego. Mas não só. O pouco novo talento a ser editado corre sérios riscos de ser um fracasso. Porquê? Porque o consumidor joga, habitualmente, pelo seguro. Ou seja, o seu já modesto orçamento musical será gasto em discos onde ele acredita que o investimento será proveitoso. Logo comprará trabalhos de nomes sonantes internacionais e nacionais, com a grande fatia a recair sobre os primeiros, como não poderia deixar de ser. Os novos projectos irão praticamente desaparecer. E todo este processo de declínio acabará por ter efeitos secundários noutras duas áreas. A dos instrumentos musicais e a dos espectáculos. Mais uma vez o fantasma desemprego vai bater à porta.
Perante este cenário a alteração da Lei da Rádio parece-me ser uma coisa ridícula. Digo mais, é uma manobra vergonhosa dos políticos portugueses que não passa de uma forma de acalmar os ânimos e calar algumas vozes. É o típico “calam-se os rapazes se lhes dermos algo em troca”. Mas de que serve uma Lei da Rádio com quotas obrigatórias para a música portuguesa se o mais certo é ela estagnar? Do que precisa, afinal, a música portuguesa? De quotas que, na realidade, se transformarão em nostalgia ou de coisas novas, de inovação e de valorização dos novos valores? A música portuguesa precisa, isso sim, de condições para evoluir e se modernizar e isso só é possível com apoios à edição discográfica de novos talentos, como sucede com as edições literárias, da redução do valor do IVA nos discos e instrumentos musicais e com a atribuição de verbas de apoio à internacionalização, em particular à participação em festivais e feiras internacionais.
A música não deve nem nunca deveria necessitar de quotas para se afirmar e ser ouvida. Não. A música não tem nada que ver com pesca ou agricultura para lhe serem imputadas quotas. A música é arte e arte não é algo que se deva manipular. Um músico que se regozija por um sucesso fruto de um impingir da sua música “à força” não é um artista mas sim um comerciante. E aqui há que saber distinguir entre o atingir o sucesso fruto do grande airplay radiofónico, da participação em novelas e anúncios comerciais. Sim, porque aqui chegou-se lá por mérito, astúcia ou estratégia de marketing, nunca por uma imposição. E as quotas obrigatórias são uma imposição.
Por outro lado, como podem os nossos deputados falar de obrigatoriedade quando se fala de mercados livres? A música existe para ser ouvida venha ela de onde vier. E se, porventura, num futuro próximo e caso a Lei da Rádio venha a ser aprovada (duvido que venha a ser aplicada por falta daquilo que tanta falta faz em Portugal e que dá pelo nome de “inspecção/fiscalização”) vier alguém apresentar uma queixa contra uma rádio por estar a ultrapassar as quotas de música portuguesa e a “discriminar” a música do mundo? O que farão os nossos políticos? Aplicarão uma coima por excesso de passagem de música nacional tal como a União Europeia faz com os estados membros que ultrapassam as quotas estipuladas, por exemplo, para a produção de batata?
Como vem sendo hábito no nosso país tentam-se resolver os problemas por cima e não por baixo. Não se combate o mal pela raiz. Se realmente se quer “ajudar” a música portuguesa a afirmar-se tem que se começar obrigatoriamente pelas bases e só depois ir escalando até ao topo. Se assim não for é tempo perdido e andamos sempre a debater os mesmos problemas ano após ano chegando, muitas vezes, a ser uma coisa verdadeiramente entediante. E quando o tédio se apodera de algo já todos sabemos o que se lhe segue: a perda de interesse e o esquecimento.



Jorge Baldaia
by mPm dj

5 comentários:

Anónimo disse...

Infelismente temos o país que temos! É claro que com isto quem mais ganha é quem menos faz por merecer, os piratas. Nem os autores nem o estado ganham, embora os mais prejudicados sejam os autores. Por mim, viva a NET: é fácil, é barato e dá milhões de discos para eu ouvir. É o totoloto dos melómanos!!
nel colaça.

The Boy with the thorn in his side disse...

Claro que o Estado deve ser responsabilizado pela questão do IVA, mas a ganância da "Industria Musical", através dos preços praticados continua a ser o maior entrave ao combate à pirataria.
De certa maneira, foi também o decréscimo nas vendas de álbuns, que obrigou a bandas a dar mais concertos para compensar o dinheiro que "perderam". Aí quem benefecia é o consumidor. Onde alguma vez em Portugal poderíamos ver certos nomes da cena musical mundial se as grandes bandas continuassem a vender 20 milhões de exemplares por àlbum? Não veríamos! Apenas tento completar o ponto de vista do Baldaia, quando digo que o decréscimo de vendas de álbuns veio, a meu ver, obrigar as bandas a ser mais "humildes", fazendo do seu sustento um processo de maior transpiração (concertos), e menos de inspiração (vendas de álbuns), e nisso acho que o consumidor foi benefeciado.
Abraço!

The Boy with the thorn in his side disse...

Quanto há música portuguesa, se algum dia as quotas se cumprirem, espero que não façam como em Espanha, que traduzem tudo o que é lixarada estrangeira (sim, Celine Dion já é mau, mas cantado em espanhol...) para cumprirem a lei. Para ouvir degredo prefiro o nosso José Cid (mau por mau que seja nosso), mas de preferência que invistam em novos nomes, mas até a lei se cumprir...
Enfim!

Abraço!

nel colaça disse...

Eu sou fá do josé Cid. A sério. É um dos melhores e mais passados da música potuguesa. E já foi muito á frente.
Abraço

Anónimo disse...

Nuno falas do album não sei quê Venus dos anos 80 verdade? considerado um dos melhores albuns da altura, um album avantgard, e q ainda hoje influência muito boa gente.

abraço
baptista